segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Platão, Heráclito e a quimera do que somos.



 Platão, Heráclito e quimera do que somos.

      Quando me deparei pela primeira vez com Platão, me mantive conciso nas propostas cognitivas de meus professores, que tomados pela afirmativa permanente de sua validade e intocabilidade, faziam do mesmo, uma figura de conteúdo filosófico irrefutável e unicamente abrangente. O emergir na literatura de figuras como Niestzsche, Popper e Foucault, obrigatoriamente me conduziu à uma dimensão desvinculada da normatividade racional, que se propõe a distinguir o mundo real do mundo ideal, todavia, a caótica simbiose de propostas nadificantes e nadificadoras, que inundam as redes sociais, me levaram a tentar redefinir o que de fato é mundo real e o que não é categoricamente real.
     As correntes filosóficas tendem de modo pormenorizado, em suas distintas particularidades, a tratar a questão do real, a partir das "perspectivas reais", do real pensado, do real dado ou mesmo do real projetado e assim o sendo, elas variam discursivamente diante de questões ideais, dialéticas, experimentais - científicas e existenciais. Em suma, as propostas discursivas são decorrentes da fluidez do tempo presente, mesmo que não seja o presente, o presente em si, já que também, o tempo seria tão somente um conjunto de sucessões, sendo o real, a nulidade de uma rigidez conceitual, que demonstra a força inexorável do conceito de mutabilidade e variabilidade desenvolvido por Heráclito. O que podemos definir, é que o indefinível, é o definível imposto a muitos dentro da sociedade e da opinião pública brasileira.
     Pois bem, é diante da questão da imposição do definível, que beiramos nos dias atuais, uma insanidade quase irreversível sobre grupos que não conseguem distinguir o real de uma projeção do que seja real. Platão afirmou com todas as suas forças, que o real não era o real com o qual nos acostumamos, pois esse real da cadeira onde sento e da rua aonde ando, só seria uma cópia defeituosa ao extremo, da real ideia desses mesmos fenômenos; Partindo do pressuposto platônico, não há real, no real, que imaginamos ser real. Usando a lógica de seu pensamento, poderíamos pensar sobre o que há de real, na realidade do embate político brasileiro dos nossos dias e o que há de ideal nas construções teóricas das redes sociais.
      Pensemos assim: O Brasil, é o real dado, diante do ideal ocultado e assim o sendo, o Brasil, é a repetição fenomênica, de várias distorções históricas de um ideal negado, negado por distorções de nossa vã rotina, que se deixa consumir pelos contundentes e enfáticos discursos midiáticos, assim como pela propagação de uma ideia de apelo de massa, dentro das redes sociais. A nossa realidade seria assim, uma propagação das distorções, que em regra, são oriundas de um conjunto de negações afirmadas dialeticamente por aqueles que entendem que a relatividade do poder discursivo, é força operante nas mentes dominadas pelas aparências. Mas de fato, o que nos estariam negando, através dessas distorções discursivas? Pensando nisso, elencarei seis possíveis negações, a nós impostas:
  1) A negação do pertencimento, pois ultrajados diante de uma bipolaridade rasa, mas incrivelmente abrangente, caminhamos para um processo de afastamento corrente diante do outro; Conceitos histórico de classe, precariamente aplicados, anulam a humanidade de nossas diferenças e nos impedem de viver a verdadeira dialética do debate comum, seja ele nas instâncias de nossos relacionamentos afetivos, assim como nas instâncias de nossos convívios sociais. Ou seja, abominamos a diferença no pensar e enfatizamos a prevalência em atacar, denegrir e dissolver, tudo que seja categoricamente uma outra forma de pensar.
 2) A negação de um sistema de ensino para a vida, para a coletividade, para a cidadania; De fato, em todos os níveis do nosso ensino, o modelo que enfatiza a competição e a dissociação entre o que é o mundo transitado por um e pelo outro, se manifestam com força voraz; A escola ou mesmo as universidades, são espaços de negação do diálogo, da afirmação da diversidade, da construção de teorias e ações efetivamente transformadoras do real. O ensino que projeta o eu para si, é a afirmação da morte do "nós", já que ele deveria ser o caminho de reflexão permanente do que queremos e do que podemos para o aperfeiçoamento do "nós".
3) A negação de nossa própria história de reclusão de classes; muitas vezes penso como é contraditório, alguém que um dia viu seus pais e avós vivendo tremendas dificuldades e que hoje tem acesso ao consumo, educação e moradia, ser participante de um discurso contrário à manutenção de uma política de cunho social, que já retirou mais de 22 milhões de pessoas da miséria. Como alguém que sabe o significado da pobreza, pode ser contrário às políticas  que retiram pessoas da condição de miserabilidade? 
4) A negação da transformação do sistema político, não pelas figuras ou entidades partidárias, mas sim por uma nova configuração de sua própria estrutura. já que existem normas validantes a serem percebidas dentro do ambiente político, seja ele, teórico e prático, em nosso país e assim o sendo, é mais do que necessário, que nos obstaculizemos à manutenção de uma ordem, que agride o nascimento da multiplicidade, já que supostos campos lógicos de terminação política, ocultam o estratagema da promiscuidade entre os poderes existentes, assim como a corrosão do bem comum, por força da terminação nervosa, oriunda das relações finalísticas entre o campo da atuação pública e os interesses do grande capital, dos conglomerados nacionais e internacionais e dos perpetuadores do monopólio da concessão e da exploração dos serviços e do dinheiro público, por advento das relações contratuais e de influência de poder, resultantes do processo pré -partidário.
5) A negação de uma forma autônoma do existir, por meio da apropriação permanente de nossas mentes e práticas de consumo, aplicadas através do agir imperialista e colonizador. Uma das causas de nossa falência coletiva, é a incapacidade de seremos atuantes na luta pela quebra dos grilhões da prática e do pensamento monopolista das grandes potências mundias. A incapacidade de compreender a nossa história pela via da nossa própria leitura, daquilo que é realmente pertinente ao existir latino e brasileiro, especificamente nos expelem do caos ao caos, já que não sabendo quem somos, somos o outro "somos", que afirma nesse "somos", sua necessidade de corrosão de nossa própria leitura espacial e histórica, já que desprovidos da autonomia, continuamos acorrentados pela liberdade de um idealização exterior, que diariamente distorce nossa compreensão sobre as mazelas que nos afetam.
6) A negação da diversidade de gênero, cultura e cor, que é sutilmente afirmada, pelo jogo da moral infundada, na chamada "racionalidade social", que nega a pluralidade da escolha, mas que diz o contrário, afirmando a superioridade de uma cor e de seu mérito existencial; assim se assume o caráter difusor da homogeneidade comportamental, quando um parlamento conservador e arbitrário, uma mídia pretensamente libertária e o comando do imperativo divino, são convocados para denegrir a leveza da variabilidade das escolhas e do fluir humano. Essa negação, em última instância, afirma categoricamente, que antes do enfadonho embate sobre a "corrupção pública", há a corrupção violenta e degenerativa de todos os diversos atributos da maravilhosa falibilidade e variabilidade do que é humano.
       Em suma, não sou um efetivo e afetivo dependente da idealidade platônica, pois não creio no real ideal, mas cabe a qualquer mente sadia, entender que há distorções sobre a natureza do real, que somente a capacidade reflexiva mútua, poderá nos levar a vencer. Venceremos, não por causa de uma conquista da idealidade, mas sim por derrubarmos a violência das distorções imperativas, que nos dizem que devemos repetir o mais do mesmo, esquecendo que precisamos do mais do novo, novo esse, que não será o ideal dado, mas sim a continuidade de um fluxo permanente do nosso aperfeiçoamento. Sigamos o curso das águas e lembremos do saudoso Heráclito de Éfeso.

Bruno Leonardo - Professor e pesquisador

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