quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Programa Escola sem Partido


 
Artigo de Maria Francisca Pinheiro Coelho, professora do Departamento de Sociologia da UnB, para o Correio Braziliense


O Programa Escola sem Partido, tão em voga ultimamente, se constitui, ao contrário do que propaga, na defesa de uma Escola com Partido, conservadora e autoritária, que anula o caráter crítico inerente à atividade educacional. Os dois projetos de lei, o do Deputado Izalci Lucas Ferreira (PSDB/DF), n. 867/2015, e o do Senador Magno Malta (PR/ES), n. 193/2016, são idênticos no conteúdo e na forma. Supondo que as escolas atualmente são espaços de pregação político-ideológica da esquerda, propõem o controle do ensino por uma visão autoritária oposta ao direito inalienável da liberdade de expressão. A leitura desses projetos rememora o apelo da marcha da Família com Deus pela liberdade, anterior ao golpe militar de 1964.

A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi o nome comum de uma série de manifestações públicas ocorridas no período que antecedeu e sucedeu ao golpe, articuladas por setores contrários às ações populares democráticas. O golpe veio para interromper esse processo e com promessa de brevidade. Os militares permaneceram no poder por 21 anos, perseguindo, torturando e matando muitos daqueles que protestavam contra o status quo, cujas vítimas foram principalmente jovens estudantes.

É fundamental conhecer esses dois projetos, visitar o site do Programa e ouvir os fundamentos dos seus defensores. A proposta Escola sem Partido não possui parâmetro de comparação com as leis em vigor no País sobre a educação, embora afirme estar em conformidade com o Capítulo da Educação, da Cultura e do Desporto da Constituição Brasileira, elaborada no contexto participativo e democrático da Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Entre os princípios da Carta Constitucional estão o da liberdade da convivência entre escola pública e particular, liberdade de aprender e ensinar, pluralismo de ideias e concepções pedagógicas. Sem dúvida os tempos eram outros e os tempos têm sua própria linguagem. E aqueles foram marcados pelo espírito de luta, mas também da tolerância, esperança e democracia, valores predominantes na época.

Em seu ensaio A ciência como vocação, o sociólogo alemão Max Weber definiu de forma lapidar que a instituição de ensino não é um espaço de demagogos e profetas. Referia-se aos políticos e religiosos. Ambos, para Weber, pelas suas próprias atividades, defendem modelos e crenças, visando convencer seguidores. Já a profissão do professor, ao contrário, é a de desenvolver nos alunos a capacidade de reflexão própria e de formação de um pensamento crítico. A única verdade da ciência é o pensamento lógico ou factual. No site do Programa Escola sem Partido há uma referência a Max Weber, que mais confunde do que explica seu pensamento e sua defesa da ética da responsabilidade.

O professor tem a liberdade de cátedra, que significa a autonomia na transmissão e produção do conhecimento. O pensamento, como o véu de Penélope, tecido e desfeito a cada dia, é sempre reflexivo.  Para a ciência, uma evidência não passa de uma hipótese causal, sujeita a um processo de desconstrução. A pluralidade do conhecimento não pode ser controlada nem vigiada por qualquer sistema sob pena de acabar com a profissão do professor.

Os dois projetos do Programa Escola sem Partido propugnam pela sua incorporação à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei no. 9.394, de 20 dezembro de 1996. Constituem, se aprovados, uma repressão à carreira do professor, retirando-lhe sua autonomia e liberdade. Sugerem que se coloquem cartazes nas portas das salas de aulas e nas salas dos professores determinando o que o professor pode e não pode fazer. Recomendam até o tamanho das letras dos cartazes.

Reivindicam um telefone público para registros de denúncias anônimas dos alunos contra os professores. São propostas de natureza persecutória de uma escola vigiada e punitiva. Constroem uma imagem do professor como um profissional mal intencionado, sem ética, que se aproveita da “audiência cativa dos alunos”, expressão usada várias vezes, para inculcar ideologias. Enfim, são projetos que agridem não somente o papel do professor, mas a democracia brasileira e o Parlamento Nacional.

O senador Magno Malta está em seu segundo mandato, é pastor evangélico e pertence a duas grandes frentes parlamentares do Congresso Nacional: a Frente Parlamentar Evangélica, com 199 parlamentares, e a Frente Paramentar Mista da Agropecuária, com 222. O deputado Izalci está em seu terceiro mandato, pertence a essas duas frentes e também à Frente Parlamentar de Segurança Pública, constituída somente de deputados, com 240 integrantes, a maior frente parlamentar do Congresso Nacional. Os parlamentares podem participar de mais de uma Frente. Essas três Frentes juntas constituem a bancada da bíblia, do boi e da bala, o grupo majoritário do Congresso Nacional, que possui mais afinidades entre si do que os partidos políticos. O Programa Escola sem Partido retrata com perfeição o perfil desse grupo, que desconhece os princípios da tolerância e da promoção da liberdade do outro como orientadores de um Estado democrático.

Correio Braziliense. Brasília, segunda-feira, 13 de novembro. Opinião, página 9

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