quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Carta a Maria Paula sobre as eleições dos EUA


Olá Maria, pensei em dialogarmos sobre essas eleições dos Estados Unidos de uma forma diferente, como faríamos nos Séculos passados, dissertando. É didático pensarmos todos os últimos acontecimentos, mas, só é possível uma analise mais profunda se compreendermos toda a conjuntura entorno deste processo, desde acontecimentos anteriores. Prometo não ser chato e enfadonho em recordações históricas.



O MUNDO E OS EUA

Precisamos destrinchar a importância destas eleições em diversos contextos, como se assistíssemos à um filme de Quentin Tarantino e neste início divido em três capítulos:

1) A importância real das eleições americanas no contexto da “Esquerda” mundial – apesar do partido Democrata americano representar o sentimento mais progressista da América, organizar os campos de esquerda norte americano e alguns movimentos sociais e de trabalhadores, só posso compreender que, indiretamente este partido representa a esquerda e não poderia ser diferente, o sistema bipartidário e o voto distrital limitam qualquer reforma social mais profunda, qualquer que seja a conquista social neste país se dará com muita disputa e conflito populacional, isso tende a mudar, falarei sobre isso mais a frente. Fora deste contexto o partido Democrata não se organiza internacionalmente em nenhuma agenda partidária progressista mais profundamente, então, essas eleições não falam muito sobre a Esquerda em si.

2) A direita americana compreende o mundo melhor que seus adversários – a direita americana recebe e doa financiamento privado para as organizações, com o intuito específico de interferir nas decisões políticas internas e externas. A direita norte americana tem inovado no seu modelo de financiamento político, indo além de investimento em candidaturas ou processos eleitorais convencionais, hoje essa direita fomenta modelos de organização político “apartidários” e do terceiro setor que cumpram o papel de desestabilização social.  Essa direita compreendeu, após duas décadas, que seu modo operandi estagnou e os resultados negativos trouxeram prejuízo de mercado, não financeiro, porém, de acumulo de força, para além disso essa direita se relaciona internacionalmente influenciando diretamente e indiretamente em outros países, integrando política e relacionamento.

3) A importância real das eleições americanas no contexto social e de percepção do modelo de governança, representatividade e econômico – sim, essas eleições falam profundamente sobre o comportamento da sociedade contemporânea, seus conflitos relativos aos direitos civis, sociais e a rejeição dos modelos de organização social padrão em boa parte do mundo. Parece ser um sentimento comum dentro das estruturas democráticas, mesmo sendo o sistema parlamentar, todos esses modelos
de participação e representação eleitoral estão sendo questionados a cada dia por suas sociedades e por sua nação.



PRÉVIAS ELEITORAIS

Dois pontos foram emblemáticos na minha visão neste processo:

1) Os Democratas erraram na tática eleitoral – mesmo sendo o partido progressista, o nível de conservadorismo foi o mais emblemático, o momento traduzido pelas prévias era de um programa mais a esquerda, a grande oportunidade do Tio Sam rediscutir seu Estatuto, costumes, modelo de organização econômico e social e seus códigos de pertencimento. Bern Sanders simbolizou o novo, a evolução partidária em um país liberal, capitalista e extremamente segregador, a agenda apresentada pela candidatura de Sanders mexeu muito mais com a sociedade americana e seu contexto político interno do que a pesada estrutura partidária entorno de Hillary Clinton, a forma como a direção partidária influencio no resultado das prévias partidárias retirou de Hillary inclusive o fato de ser uma mulher competitiva neste processo eleitoral, o Senador de mais de 80 anos ironicamente representou os "novos anseios" americanos por universidade gratuita, sistema público de saúde, rediscussão do modelo de capital, econômico e industrial americano.

2) Trump não representou unicamente um projeto de direita – Trump significa muito além do que uma agenda conservadora radical e populista, sua candidatura simboliza a desconstrução política, a rejeição pelo padrão atual, pelo modelo de organização político, o apartidarismo. Trump é o reflexo da negação política, ele representa a ascensão social de certa classe média economicamente organizada, porém, com pouca reflexão cultural e educacional que não se vê parte de um sistema social complexo e se mobiliza eleitoralmente a partir de seus interesses individuais e familiares. Trump assumiu um papel característico nestas eleições, que trouxe resultado eleitoral, ele representou o papel da antítese, o candidato que não falava e se comportava de forma padrão.



ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS

Na ausência de uma agenda progressista que mexesse com a concepção comunitária do eleitorado ou uma agenda liberal que representasse a evolução econômica, sobrou ao eleitorado duas escolhas interessantes, rejeitar a Trump e tudo o que ele representa apoiando Hillary ou rejeitar o sistema político padrão apoiando Trump. A sociedade americana é reflexo da população mundial, óbvio que existe uma crescente à Direita e suas radicalizações, porém existem outros recados mais significativos que imprimem esse resultado, principalmente o questionamento aos modelos de organização e representatividade, esses sistemas mundo a fora sofrem críticas diversas não importando qual seja sua formação, todos esses sintomas demonstram um nível de insatisfação e frustração que recaem diretamente sobre o legislativo e executivo em exercício. Outra característica interessante é a expectativa entorno dos lideres, Obama simboliza o líder progressista moderno, Clinton é sisuda, transmite autoritarismo e pouco carisma, Donald é bonachão, simpático e autêntico, mesmo sendo um personagem, em uma eleição facultativa, além de sua plataforma e projetos o candidato é atrativo, principalmente quando lidamos com uma agenda midiática sem escrúpulos e com interesses escusos, apostando no esvaziamento político.



A ESQUERDA NO MUNDO

Precisamos compreender a mudança de comportamento político no mundo, a esquerda chegou ao fim de mais um ciclo, segundo Anthony Downs, a busca por resultado eleitoral nunca é um fim em si mesmo, vários são os fatores que constroem a correlação de força necessária para a implementação de um programa vitorioso, assim também como vários são os motivos que levam a um período de derrotas eleitorais e este processo é cíclico, sociológico e comportamental. A esquerda mundial
cumpriu um papel importante no último século, a luta pela conquista de direitos individuais, sociais, a liberdade ao voto, ao culto, a libertação dos povos, autonomia da mulher, várias são as conquistas sociais, porém, é chegada a hora da Esquerda mundial atualizar sua agenda política, a sociedade contemporânea ascendeu socialmente, culturalmente, economicamente, as ferramentas digitais e a pulverização da informação, juntamente com a derrocada do Capital especulativo, a fragilidade do modelo de globalização econômico, o aumento da miséria, fome e conflitos étnicos, alteraram a percepção de Estado e a expectativa por gestões mais eficientes, humanas e prósperas por parte das sociedades democráticas. O momento é de apresentar um novo modelo econômico, reconhecer as experiências digitais, do mercado cooperativo, da mudança de comportamento econômico do trabalhador formal para os micro empreendimentos, pequenos investidores, profissionais liberais, economia criativa, cooperativismo de mercado, boas práticas de governança, rediscussão da organização urbana e rural, mobilidade urbana, papel da tecnologia na sociedade e na comunicação, novas regras de controle de Estado, compreender os novos modelos de organização da sociedade, a nova classe trabalhadora e sua organização contextual, a garantia de exercício de direitos individuais, serviços públicos e eficiência de gestão e governança, democratização dos meios de comunicação, reforma dos modelos educacionais e tantas outras bandeiras que estão sendo produzidas por todo este período mundial de conflito político.



CONSIDERAÇÃO FINAL

Essa é minha percepção do que aconteceu nos EUA nestas eleições, reflete muito do que somos e o que vivemos no Brasil e vários outros países, a esquerda precisará se dedicar a este momento da história, o melhor momento político da nossa geração apesar dos resultados que refletem e refletirão no curto prazo. Espero não ter sido muito repetitivo ou cansativo, mas, deixo aqui minha impressão do momento atual e das eleições americanas.



Abraços,



Fernando Neto

Um comentário:

  1. Perfeito, assim como no Brasil, os EUA, com certeza terá seus direitos que foram garantidos com tantos sacrifícios cortados.

    ResponderExcluir